Sindigás entrevista Adriana Gioda
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Fonte: Sindigás
A professora do Departamento de Química da PUC-Rio, Adriana Gioda, publicado recentemente na prestigiada revista especializada Biomass and Bioenergy, artigo sobre o consumo de lenha nos domicílios brasileiros e suas implicações sociais e para o meio ambiente. Em uma entrevista com o Sindigás, ela fala um pouco sobre o assunto abordado no artigo.
Recentemente foi publicado um artigo na revista da Biomassa E Bioenergia, sobre o uso da lenha no Brasil. Quais são os pontos principais do artigo, e quantas pessoas usam lenha como combustível nas residências brasileiras?
Eu tenho usado os dados mais recentes (2016) da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para calcular o número de pessoas e famílias que fazem uso da lenha.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2016 havia 69.223.575 das famílias, dos quais 16,1% usavam lenha + carvão para cozinhar, correspondendo a 11.144.996 domicílios. Tendo em conta que cada domicílio tem, em média, três habitantes, chega-se à 33.434.987 indivíduos que consumiram, em 2016, cerca de 605 kg de lenha cada um (1,7 kg/pessoa/dia).
Quais são os impactos desse uso para o meio ambiente e também para a saúde das famílias?
Muitos estudos sobre o uso de lenha como combustível foram realizados, principalmente na Ásia e na África. No entanto, no Brasil, ainda existem poucas pesquisas sobre a emissão de gases e partículas relacionados com o uso de lenha, fogões e métodos culinários, dificultando a compreensão de seus efeitos sobre a saúde da população e do meio ambiente.
O uso de lenha no país varia em função das diferenças climáticas, socioeconômicas e culturais. Sabemos que os diferentes tipos de fogões e as condições utilizadas nos processos de queima liberam produtos como o monóxido de carbono, metano e partículas tão variadas como a fuligem. As partículas, chamadas de material particulado gerado no processo de combustão se destacam por serem as mais tóxicas para a saúde e ter uma grande influência no clima.
Além disso, as emissões da combustão doméstica de carvão e a lenha são consideradas misturas causadores de câncer, o que contribui diretamente para o aumento da morbilidade e da mortalidade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a poluição do ar doméstica é responsável por 4,3 milhões de mortes a cada ano. Em 2010, na América Latina e Caribe, estima-se a ocorrência de 70.000 mortes prematuras relacionadas com o uso de combustíveis sólidos na cocção. A maioria destas mortes são decorrentes de doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e câncer de pulmão. Além das mortes, um número significativo de doenças respiratórias agudas ocorre, principalmente, em crianças e em mulheres devido à maior exposição.
Os produtos e subprodutos da combustão de combustíveis residenciais, além de causar danos à saúde, fazem parte das substâncias responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas.
No Brasil, a lenha é o combustível mais usado para cozinhar. Nas regiões com menor renda per capita, a madeira foi extraída de forma inadequada. Os estudos apontam que o uso de lenha no país tem acarretado o aumento do desmatamento, principalmente no bioma do Cerrado. A falta de critérios técnicos na exploração da lenha, o desmatamento ilegal, o monitoramento insuficiente, a falta de fiscalização e a corrupção têm acelerado a destruição de florestas, do solo e dos ecossistemas.
Qual é o nível de eficiência a lenha em comparação a outros combustíveis, como o GLP?
Os tipos de fogões e combustíveis utilizados para cozinhar influenciam diretamente a qualidade do ar de uma residência e das taxas de emissão de poluentes. O desempenho de um fogão caracteriza-se pela eficiência de combustão, ou seja, a energia armazenada no combustível é convertida em calor, e a eficiência de transferência de calor para a panela que é influenciada pelo modelo de fogão. Em termos de eficiência energética, as cozinhas de combustíveis sólidos, como a lenha, apresentam uma eficiência entre 13 e 17%, já que o alimentado por GLP, 57%. Atualmente, além da alta eficiência térmica, um fogão adequado deve produzir menos gases poluentes e de partículas durante a sua utilização.
Todos os combustíveis utilizados para cozinhar, disponíveis até o momento, emitem, por pequena que seja, os contaminantes do ar. De um modo geral, as emissões de combustíveis considerados modernos (querosene e GLP) são menores em relação a outros combustíveis (lenha e carvão) com relação às partículas e alguns gases (CO, CH4, carbono orgânico).
Vale a pena mudar de lenha por GLP?
A lenha, para fins de cocção, é considerada uma fonte de energia renovável. No entanto, atualmente, mais de 90% da lenha utilizada nas atividades domésticas no mundo são provenientes de fontes não renováveis, portanto, o uso deste combustível nas atividades domésticas contribui significativamente o impacto sobre o aquecimento global.
A cozinha GLP emite menos partículas e menos gases de efeito estufa (GEE) que a lenha. Embora haja um incentivo para substituir fornos a lenha por fogões a GLP, devido à queima mais limpa, é importante que a produção de fogões tenha um protocolo bem definido, que deve ser seguido por todos os fabricantes, já que as produções inadequadas podem causar emissões não desejadas. Além do modo de produção e de uso, a composição do GLP também influencia. As cozinhas estão bem projetados, podem atenuar, de 1,5 a 3,6 toneladas de CO2, reduzindo assim as emissões de gases de efeito estufa.
Quais são seus projetos futuros?
Embora haja muitos estudos sobre o uso da lenha em outros países, no Brasil há uma falta de informação que impede avaliar os custos para a saúde e o meio ambiente. Precisamos de dados nacionais, já que as características do clima, a alimentação, o tipo de lenha e cozinha, além das características regionais e culturais, que influenciam a cadeia de produção até o uso.
A PUC-Rio e o Instituto de folha Perene, assinaram um convênio para o desenvolvimento de pesquisas com lenha. Recentemente, tivemos o projeto da Cozinha do Mar, aprovado pela Petrobras. Este projeto tem como objetivo principal reduzir de forma drástica os problemas associados com a queima ineficiente de lenha para cozinhar domiciliar. O destaque do projeto é a quantificação e certificação independente das reduções de emissões de gases de efeito estufa, bem como dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). O projeto beneficiará diretamente a 5.300 famílias, em 94, comunidades extrativistas, trazendo uma tecnologia adequada para o uso eficiente e a lenha, substituindo, assim, os atuais fogões rudimentares comuns e seus problemas associados. Os benefícios da realização do projeto serão muitos, que vão desde a redução do consumo de lenha, a diminuição da degradação florestal, o tempo que as pessoas passam a buscar lenha, até a redução de sintomas de saúde respeitantes à exposição de longo prazo ao fumo, como a irritação dos olhos e da pele, além do aparecimento de tosse.
No futuro, temos a intenção de dar continuidade ao estudo que tem como objetivo substituir as cozinhas tradicionais e eco-eficientes de lenha por fogão a GLP. Além disso, faremos estudos clínicos e toxicológicos com as pessoas expostas. Mas esse projeto mais ambicioso ainda depende da aprovação dos fundos.
Leia o artigo da revista Biomass and Bioenergy
Conheça a publicação de “a Queima de lenha e carvão em ambientes fechados – Poluição do ar e riscos para a saúde.”