Pesquisador tratou de compostos bioactivos na Ilha Rei George, como parte das investigações que se iniciaram em fevereiro de 2014.
Com uma área de 14 milhões de quilômetros quadrados – uma vez e meia maior que a do Brasil – quase totalmente cobertas com uma camada de gelo, de 2,1 quilômetros de espessura, em média (mas que em alguns pontos pode chegar a quase cinco quilômetros), e mais de 20 milhões de quilômetros quadrados de mar congelado no inverno e 1,6 no verão, a imensidão gelada da Antártida é um ambiente extremo. Mas, por isso mesmo, é uma região propícia para o surgimento e evolução de espécies únicas, com metabolismos exóticos, que aumentam as chances de desenvolvimento – e a descoberta de novas substâncias, que podem dar origem a novas drogas para o tratamento de várias doenças, entre elas o câncer.
Foi justamente o que descobriu o pesquisador Leonardo José Silva, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, ao estudar as bactérias que vivem na grama Deschampsia antarctica, que só existe na Antártida. Ele viajou ao continente entre novembro e dezembro de 2014 com um grupo de outros pesquisadores brasileiros. Lá, pegou pequenas amostras de solo, sempre acondicionamento das amostras em sacos de plástico à prova de água e as guardou em um ultrafreezer a – 80 ° C (negativos). Depois, ao estudar as bactérias na grama, constatou-se que várias delas produzem compostos capazes de inibir o desenvolvimento do glioma (um tipo de câncer que ocorre no cérebro e a medula espinhal), tumores na mama e pulmão. Toda A pesquisa foi realizada entre fevereiro de 2014 e julho de 2018. A viagem de Silva foi de prospecção – no caso dele, a pesquisa de compostos bioativos.
Segundo ele, as atividades de prospecção podem ser realizadas em qualquer ambiente. “No entanto, as possibilidades de descoberta de novas substâncias, capazes de ajudar no desenvolvimento de medicamentos, controladores biológicos de pragas agrícolas ou mesmo de enzimas para promover o benefício a um determinado processo industrial, aumentam quando procuramos um lugar pouco explorado, como por exemplo o continente antártico”, diz. Isto se deve a que esta região inóspita concilia fatores importantes para o estabelecimento de vias metabólicas comuns, como, por exemplo, as condições ambientais extremas, de baixo fluxo gênico de espécies endêmicas (que só existem ali) e pouca influência humana, que podem favorecer a produção de substâncias de importância biotecnológica.
Silva pesquisou o microbioma associado à rizosfera (região onde o solo e as raízes das plantas entram em contato), da grama, na Ilha Rei george, Antártica. O objetivo do trabalho do pesquisador da Esalq era descobrir e selecionar cepas de actinobactérias (grupo bacteriano versátil na geração de compostos bioativos), capazes de produzir substâncias eficazes em controlar o desenvolvimento de tumores humanos. Como resultado da investigação, o pesquisador identificou cinco novas espécies, entre as quais a Rhodococcus psychrotolerans, cuja descrição foi publicada recentemente na revista internacional Antonie van Leeuwenhoek. Além disso, foram isolado 72 famílias deste grupo bacteriano e a criação de uma “biblioteca”, que contém 42.528 clones. “Como resultado das atividades de pesquisa, obtivemos uma coleção de actinobactérias produtoras de compostos anti-tumorais, as quais podem ser exploradas em maior profundidade por meio de parcerias entre centros de investigação públicos ou da iniciativa privada”, diz Silva. “A razão pela qual empenhamos nossos esforços para a obtenção de compostos ativos é contribuir com o desenvolvimento de tratamentos para o cancro, a fim de proporcionar uma maior expectativa de vida para os pacientes.” Em relação à produção de compostos antitumorais, duas linhagens descobertas por Silva apresentaram pronunciada atividade contra o desenvolvimento de câncer de glioma, de pulmão e de mama, e, portanto, foram selecionadas para os trabalhos de caracterização de compostos bioativos.
As substâncias cinerubina B e actinomicina D, identificadas, respectivamente, o extrato bruto das linhagens CMAA 1527 e CMAA 1653 das bactérias encontradas por Silva, que já são conhecidas por apresentar atividades antitumorais. Ou seja, já são utilizados em vários medicamentos para o tratamento de cancros. Apesar disso, os resultados do trabalho do pesquisador da USP representam uma importante contribuição científica de um país, dado o valor de discagem delas. Cada 100 mg de actinomicina D, por exemplo, custa em torno de r$ 14 mil. A investigação, segundo Silva, se fez parte de sua tese de doutorado do Programa de Microbiologia Agrícola, da Esalq, e contou com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O estudo, diz ele, foi orientado pelo pesquisador Gabriel Soares de Mello, da Embrapa Meio Ambiente, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, além de ter contado com uma série de associações. A pesquisa de Silva está inserido em um contexto mais amplo, em que o aumento do número de casos de câncer tem atraído a atenção da comunidade científica de todo o mundo e impulsionado a busca de novas estratégias e drogas para o tratamento da doença. “Nesse sentido, substâncias obtidas a partir de microrganismos e plantas, estão entre as mais promissoras, que representa cerca de 60% dos agentes antitumorais aprovados para uso nas últimas décadas”, afirma. De acordo com Silva, a descoberta e a identificação da atividade antitumoral dos compostos em células de câncer cultivadas em laboratório, é o primeiro passo para o desenvolvimento de um novo medicamento de uso clínico. “Os próximos estágios são os testes in vivo (em animais), de modificações estruturais para manter sua atividade e para evitar os efeitos prejudiciais para as células doentes, as provas da dose ideal e encapsulamento de substâncias e, por último, os ensaios em seres humanos”, explica.
Fonte: Portal UOL