Antes, o problema era tido como limitado à infecção pelo zika, mas ainda se sabe pouco sobre a relação
A infecção pelo vírus da dengue durante a gravidez pode aumentar em 50% o risco de anomalias neurológicas no bebê, sugere um estudo publicado na revista do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) do governo dos Estados Unidos.
O flavivírus, gênero que também inclui o vírus zika e o da febre amarela, estaria associado a estas malformações.
Ainda se sabe pouco sobre a relação entre dengue e anomalias fetais. Até agora, este era um problema considerado como limitado à infecção pelo zika.
Em 2016, uma revisão publicada na revista médica Lancet, já tinha mostrado que uma mulher grávida que contrai a dengue na gravidez tem 3,5 vezes mais chances de sofrer um aborto e quase duas vezes (1,7) mais risco de o bebê nascer prematuro.
No estudo do CDC publicado na revista Emerging Infectious Diseases, foram utilizados dados de nascidos vivos no Brasil e de suas mães, no período compreendido entre 2006 e 2012, ou seja, antes da epidemia do vírus zika, que teve o seu apogeu entre 2015 e 2016.
Os 16.103.312 nascidos vivos, as anomalias congênitas neurológicas foram raras, presentes em 13.634 (0,08%) deles. No entanto, entre as mulheres que tiveram a confirmação do vírus da dengue durante a gravidez, os casos de anomalia neurológica congênita foram 50% mais prevalentes.
Em cerca de metade desses casos, os sintomas da febre do dengue ocorreram no primeiro trimestre da gravidez. Os defeitos neurológicos foram divididos em categorias. Em sete delas, incluindo a microcefalia, a associação não foi estatisticamente significativo.
Mas dois tipos de anomalias neurológicas (na medula espinhal e outras partes do cérebro) foram quatro vezes mais freqüentes em mulheres que tiveram infecção por dengue durante a gravidez.
Segundo os pesquisadores, o padrão de anomalias cerebrais descritas tem semelhanças com o da doença congénita do zika. A verificação foi realizada por meio da comparação com imagens cerebrais e a autópsia dos bebês com zika e outras doenças infecciosas.
No Brasil, desde o início do surto, em 2015, os casos suspeitos de zika superam 231 mil; os confirmados, 137 mil. O número de casos de síndrome fetal congênita (que inclui microcefalia, problemas de visão, de articulação entre outros) está em 2.931, e 11 mortes foram associadas à doença.
De acordo com o aniversário. Esper Kallas, professor da USP, as flaviviroses eram consideradas como as infecções benignas até antes do surto de zika.
“Foi a descoberta de que a associação do vírus zika com a microcefalia, que advertiu sobre a possibilidade de que tais vírus que provocam alterações congênitas.”
Com este novo estudo sugere que pode ter o mesmo problema com a dengue, siim Kallas afirma que serão necessários mais trabalhos, com modelos animais, por exemplo, para estabelecer o nexo de causalidade entre a dengue e as malformações fetais.
“Outros fatores que não o vírus da dengue podem estar envolvidos nestas malformações identificadas no estudo da revista do CDC].”
Os próprios autores do trabalho alertam para essa limitação. Dizem, por exemplo, que não foram controlados potenciais fatores de confusão, como as doenças maternas ou exposições ambientais, que podem contribuir para as malformações neurológicas.
Segundo os autores, não há mecanismo biológico estabelecido para a possível teratogenicidade (capacidade de produzir malformações congênitas no feto) de infecção por dengue, mas outros trabalhos demonstraram que o isolamento do vírus no tecido cerebral e a capacidade que se tem de atravessar barreiras placentárias e hematoencefálicas.
A recomendação dos pesquisadores é que, a partir de agora, há uma observação cuidadosa e registro de infecção por dengue ao longo do pré-natal, bem como uma completa investigação de nascidos vivos com malformações neurológicas.
No Brasil, a dengue é notificada a presença de critérios clínicos, de laboratório ou de ambos. Mas apenas 30% das infecções notificadas são confirmadas por análise de sangue.
Para o aniversário. Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, o estudo reforça a necessidade de uma vigilância clínica e epidemiológica mais atenta e mais eficiente do vírus da dengue.
“Hoje não sabemos qual é o número real de casos e em quais regiões são mais vulneráveis porque o diagnóstico é principalmente clínico, não de laboratório. Com a zika, há uma confusão ainda maior, porque as sorologias às vezes se cruzam. Temos que mudar isso. As mulheres grávidas devem se tornar em uma população-alvo é fundamental.”
Segundo ele, as mulheres em idade fértil ou até mesmo mulheres grávidas podem se beneficiar da vacina contra a dengue, já que comprovadas previamente se têm ou não anticorpos contra o vírus.
Em agosto, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu elevar a restrição em relação à vacina contra o vírus do dengue produzida pela Sanofi Pasteur, a única disponível no país até agora.
Na prática, a agência passará a contra-indicamos o uso da vacina em pessoas que nunca tiveram contato com nenhum dos quatro sorotipos do vírus da dengue.
A medida ocorre após os estudos realizados pelo laboratório produtor apontarem risco de que pessoas que nunca tiveram a doença desenvolvem formas mais graves de dengue no caso de serem infectadas pelo mosquito Aedes aegypti.
“É fundamental que seja feita a sorologia do paciente antes de indicar a vacina”, diz Artur Timerman.
De acordo com o médico, mas ainda são necessários mais estudos para demonstrar o perigo da dengue na gravidez, a infecção já deve ser considerada como suscetível de causar defeitos no feto. “Isso vai exigir um diagnóstico precoce, acompanhamento ambulatorial e, principalmente, o controle do vetor”, afirma.
Fonte: Folha de S. Paulo